IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA
CARTA ABERTA
AOS BRASILEIROS, PROFISSIONAIS DE SAÚDE,
GESTORES E PODER PÚBLICO
As imunodeficiências primárias são doenças que atingem milhares de
pessoas
em todo o país. Brasileiros que, quando corretamente tratados,
conseguem levar uma
vida normal, em todos os seus compromissos sociais e profissionais. A
situação
nacional, no entanto, leva esses pacientes a uma peregrinação entre os
serviços de
saúde em busca de seu diagnóstico, as constantes mudanças nas suas
prescrições
médicas devido à falta de medicamentos corretamente distribuídos pelo
Sistema Único
de Saúde (SUS) e a busca na Justiça para garantir terapias
reconhecidas e utilizadas
mundialmente, mas indisponíveis na rede pública.
A mobilização dos mais de 3.000
pacientes representados neste documento
busca, portanto, as condições
para o diagnóstico e acompanhamento destas doenças,
a adequada oferta de
medicamentos já previstos pelo SUS, a incorporação de
tratamentos que beneficiem a
qualidade de vida dessa população e a apropriada
disseminação de conhecimento aos
profissionais de saúde, seja ao longo de sua
formação, seja na educação
continuada dentro dos serviços de saúde.
As imunodeficiências primárias
são transmitidas geneticamente e, com uma
produção pequena ou nenhuma de
alguns anticorpos, o corpo não consegue dar uma
resposta adequada às infecções
que todos estamos sujeitos. Ela envolve
aproximadamente 180 tipos de
defeitos genéticos, sendo que a maior parte deles é
bem estudada e registrada
cientificamente. Após surgirem os primeiros sintomas,
segue pelo restante da vida
dessas pessoas.
REGISTRO NACIONAL
Atualmente, as informações sobre o número de pacientes portadores da
imunodeficiência primária e
demais doenças raras são conflitantes, com baixa
referência de dados oficiais. A
melhoria das informações e a identificação dessa
população trarão como resultado
a adequação do planejamento de políticas públicas e
da organização da atenção aos
pacientes. Esse conhecimento também contribui para
o avanço nos estudos e pesquisa
sobre o setor, e o entendimento sobre as suas
necessidades. Trata-se de uma
iniciativa que conta com exemplos nacionais, os quais
podem ser expandidos e
consolidados.
Vale observar também que novas
imunodeficiências têm sido reconhecidas,
sendo necessária uma atualização
do CID, que é a classificação das doenças
utilizadas no Brasil, para
contemplar um registro adequado e o diagnóstico mais
preciso de um maior número de
pacientes.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Entre os pacientes com
imunodeficiência primária, não são poucos os relatos
de pessoas que iniciam o correto
tratamento após anos do surgimento dos primeiros
sintomas. Essa falta de
compreensão dos profissionais de saúde e o consequente
atraso no início do tratamento
trazem sequelas permanentes para os pacientes, que
não poderão ser revertidas.
Um dos pontos
centrais para solucionar essa situação é uma mudança de
cultura na formação ainda na
graduação dos profissionais de saúde, em especial os
médicos. Nesse ponto, é
necessário um movimento dos ministérios da Saúde e da
Educação para a reorientação e a
inclusão de temas específicos na grade curricular
dos programas de graduação e
bolsas de residência. Ainda, um programa de
educação continuada é desejável
para todo o restante da rede pública, em especial na
atenção básica, porta de entrada
do sistema de saúde.
GARANTIA DO PODER DE ESCOLHA DO TRATAMENTO
1 - Há dois pontos importantes
de atenção relacionados ao poder de escolha
médico/paciente do tratamento
das imunodeficiências primárias. O primeiro é referente
à imunoglobulina humana. O
Ministério da Saúde realiza licitações para a compra de
marcas e apresentações
comerciais adequadas ao tratamento. Na distribuição, muitos
centros de referência recebem
apenas: I - uma única apresentação, o que gera
situações como a de uma criança
tendo à disposição medicamentos em dosagem para
adultos e/ou II – uma marca
específica. Esse cenário gera problemas, como reações
adversas, e mudanças
indesejáveis no tratamento dos pacientes, e precisa ser
corrigida, com diretrizes sobre
a dispensação de medicamentos e acompanhamento
de sua distribuição.
2 - O segundo caso é o referente
ao tratamento subcutâneo. O medicamento
permite que as pessoas façam a
sua terapia em casa, o que, além de adequar
tratamentos e dar qualidade de
vida aos pacientes, colabora para desafogar as
estruturas da rede pública de
saúde. Embora seja utilizado em outros países com
regularidade, ele somente é
conseguido no Brasil através de demandas judiciais. A
Justiça também é o único meio
para obter o medicamento Imukin (rekombinantes
humanes Interferon gamma-1b),
para o tratamento da doença granulomatosa crônica.
Assim, precisamos da revisão de
protocolos clínicos desenvolvidos pelo Ministério da
Saúde e acesso a novas
tecnologias, com definição de agenda prioritária para registro
nacional e inclusão no Sistema
Único de Saúde
3 – Também é
importante o acesso a medicamentos e insumos
complementares, como
antibióticos, imunossupressores e suplementos vitamínicos e
pacientes possam manter a
regularidade em suas consultas, na retirada de
medicamentos e no tratamento
ambulatorial.
4 - Considera-se
desejável a criação uma área técnica focada nas
imunodeficiências primárias,
dentro da estrutura da Secretaria de Atenção à Saúde do
Ministério da Saúde, para a
orientação e facilitação desse trabalho.
DIAGNÓSTICO
PRECOCE E TRIAGEM NEONATAL
Um dos eixos fundamentais para a
atenção às imunodeficiências primárias é o
diagnóstico e acesso a exames.
Muitos já estão disponíveis no Sistema Único de
Saúde, mas não são autorizados
para pacientes com este diagnóstico. Outros
precisam ser adicionados à rede
pública de saúde.
Entre os exames que necessitam
ser incorporados ou autorizados estão
aqueles que beneficiam a maior
parcela dos pacientes e situações mais graves:
1.
Citometria de fluxo para CD3, CD4, CD8, CD19 e CD56 são exames de
dignostico de todas das
deficiências de imunidade celular (CID: D81 a
D82). Dentre elas, está a
imunodeficiência combinada grave, doença que
pode levar à morte se não for
diagnosticada precocemente;
2. Citometria de fluxo para o
teste de dihidrorrodamina (DHR), que serve para
diagnosticar a Doença
Granulomatosa Crônica (D71), de alta gravidade.
Sem esse exame não há
diagnóstico preciso.
O exame de histocompatibilidade
(HLA), por exemplo, não está previsto para a
Imunodeficiência combinada grave
(D81). A não realização deste tratamento precocemente
leva à morte os bebês portadores
das formas mais graves de imunodeficiências primárias.
Para o aconselhamento genético,
devem ser citados exames como
identificação de mutações
subjacentes assim como testes para identificação da
deleção 22q11.2, defeito
subjacente à síndrome de DiGeorge, considerada a segunda
IDP mais comum, somente superada
em frequência pela Deficiência de IgA.
Finalmente, é necessário o reconhecimento da
importância do diagnóstico precoce
e acesso a exames. A triagem
neonatal, conhecido como teste do pezinho, deve ser
incorporada como uma ferramenta
para diagnóstico precoce das imunodeficiências
combinadas grave. Países que
incorporaram os exames como o TREC, por exemplo, tem
apresentado retorno de
custo/benefício para seus sistemas de saúde.
ATENÇÃO
PEDIÁTRICA E TRANSIÇÃO PARA A FASE ADULTA
A imunodeficiência primária,
como outras doenças raras congênitas,
manifestam-se em geral ainda na
infância e permanece ao longo de toda a vida do
paciente. Falta referência no
SUS para o adequado acompanhamento e tratamento
nas diversas faixas etárias. Na
infância, por exemplo, buscamos metas como a
detectação precoce e a proteção
a sequelas à criança. Quando adultos, o objetivo
será da qualidade de vida e a
inserção social. O ajuste para a atenção às
imunodeficiências primárias deve
trazer a transição entre essas faixas para a correta
continuidade do tratamento.
EXERCÍCIO DE
CIDADANIA
O desejo dos pacientes de imunodeficiência primária é a garantia do seu pleno
exercício de cidadania. Queremos
fazer cumprir não apenas o direito à saúde
determinado pela Constituição,
mas, sim, viver plenamente nossas atividades cotidianas
de dedicação ao trabalho, às
nossas famílias e ao ambiente social. Somos um retrato de
brasileiros que lutam pela
atenção integral à saúde, na qual devem estar previstas efetivas
ações para o diagnóstico
precoce, acesso ao tratamento e acompanhamento do paciente.
O não cumprimento pelo poder
público destas responsabilidades destorce a cidadania
muita além dos 3.000 pacientes
aqui representados, afinal somos todos brasileiros em
suas mais diferentes
necessidades. São reconhecidas as iniciativas alcançadas, o que
nos provoca a ir além e querer
ser atores e parceiros na implementação e no
aperfeiçoamento deste Sistema
Único de Saúde.
Tatiana C. Lawrence
tlawrence@uol.com.br
(11) 981967837
ABrI
ABrI
Associação Brasileira de Imunodeficiência
Marta Auxiliadora Ferreira Reis
marta.anpic@yahoo.com.br
(31) 9174-7049
(31) 9174-7049
ANPIC
Associação Nacional dos Portadores de Imunodeficiência Congênita